sábado, 3 de janeiro de 2009

Musica Normal.

A lista dos melhores discos que você não ouviu em 2008 foi de fato uma via de duas mãos – por isso, tenho de começar agradecendo as várias indicações de músicas que eu nem sonhava que existiam. Claro que algumas sugestões eu já conhecia – como o Fleet Foxes (obrigado, César), ou o retorno de Grace Jones (lembrado pelo Ricardo), ou Sia (“gracias”, Gustavo), ou mesmo “Third” de Portishead (quase entrou, Igor). Elas até estavam na primeira versão da lista – que tinha 26 álbuns –, mas fui cortando… Outras sugestões, porém, eram genuínas novidades para mim: 99 Macacos, Conexion of Monkeys (coincidência?), Gavin Castledon, Viva Voce, Dev Haynes… Ainda não deu tempo de ouvir todas – sequer uma boa parte delas – mas mesmo assim, estou louco para ser surpreendido. De “Charque side of the moon” à banda de “ex-palhaços” romenos (!) que usa (sic) “consolos de borracha como percussão”, o Gay TV Host (indicação da já bizarra lista do John Merrick), fico só imaginando as possibilidades sonoras… E, pelo que vi nos comentários, não sou a exceção. Talvez você ainda esteja experimentando uma certa dificuldade para baixar Lily & Maria… Mas de resto, acho que boa parte dos que passaram por aqui ficou no mínimo curiosa para saber que tipo de sons eram aqueles. Em compensação, uma pequena parte – ah… a pequena parte…
Tanto tempo depois, eu mesmo me surpreendo com a dificuldade que algumas pessoas têm de entender uma frase simples. Foram várias reações negativas à lista – as mais divertidas delas, claro, daquelas pessoas que se armaram para desbancá-la sem sequer ter ouvido uma das indicações. Não faltaram ainda os “corajosos” de plantão que criam e-mails de mentira só para mandar mensagens escatológicas – ah, a adolescência… – simplesmente porque a banda que eles mais gostam de ouvir quando estão no quarto planejando a sua vingança contra o mundo não foi citada… (estes, obviamente não foram aprovados em respeito à imensa maioria que preza uma conversa educada neste espaço – mesmo que discorde das minhas opiniões).
O que mais me encantou, porém, foram os que reclamaram que a lista só tinha bandas que elas não conheciam – não com a embutida gratidão do curioso (caso de muitos, felizmente) que quer conhecer mais, mas com o desdém de quem não tem sequer a inquietação de explorar algo novo. Ora, se uma lista leva o título de “Os 15 (+1) melhores discos que você NÃO ouviu em 2008”, hum, será que não está claro que estou te convidando a descobrir algo que não conheces? Então, por que o protesto? Desse grupo, que reúne comentários com diferentes níveis de indignação (dos simplesmente perplexos aos inexplicavelmente ofendidos), destaco o comentário de William Lima que, apesar de gostar do blog, pergunta: “esse cara naum escuta música normal naum?”.
Bom, aqui a resposta: claro que escuto música normal. Aliás, teria sido imensamente mais fácil fazer uma lista de fim de ano com Coldplay, Elbow, The Killers, TV on the Radio, Black Kids, Lykke Li (mas não com Guns N’ Roses) – e ainda jogar uns dois ou três discos de artistas brasileiros para satisfazer as patrulhas… Ocorre que este que cá escreve gosta de coisas que dão trabalho – ou se preferir numa expressão um pouco mais pretensiosa, eu gosto de coisas mais desafiadoras. Algo que – se ainda não ficou claro –, não seja muito normal.
Que delícia imaginar que, ao ler a frase acima, os “modernos” de plantão já estão a essa altura mandando mais comentários para me acusar de querer ser justamente o que eles acham que são… (eles sabem o que é…). Bem-vindos! Tudo que eu posso fazer é sugerir, mais uma vez, que você conheça um pouco mais as coisas que escrevi neste mais de dois anos antes de sequer tentar conter sua necessidade de se mostrar tão descolado desbancando este blog…
Ou não: continue gostando das mesmas coisas sempre – e criticando quem se arrisca a pensar diferente. O mundo está cheio de coisas para você – especialmente o mundo da cultura. Como cantava a Banda Vexame, siga seu rumo. Você quer normal? É só ligar o rádio, a TV, abrir outra janela aqui na internet – ou mesmo a janela da sua casa – e aproveitar. Mas certamente Lily & Maria não é para você. Nem Women. Nem “O que é o quê”. Nem “Leonera” (em breve, na minha lista de filmes do ano, aqui mesmo no G1). Nem “Capitu”.
Sim, porque o post de hoje é sobre a grande estréia da TV nesta semana, baseada no livro “Dom Casmurro”, que é talvez a obra maior de Machado de Assis – lembrado em 2008 pelos 100 anos da sua morte. Por que eu demorei tanto para introduzir o assunto de hoje? Bem, quem sabe assim eu tenha conseguido dar uma filtrada em quem passa por aqui, despistando aqueles geralmente sem paciência para ler tudo – o mesmo tipo de leitor que não pensaria duas vezes antes de mandar seu comentário me acusando de ser obrigado a escrever sobre essa minissérie simplesmente porque trabalho na mesma emissora que o produziu (esse tipo que adora uma teoria conspiratória e para quem eu pergunto: tem uma boa – e nova – sobre 11 de setembro?). Fiz de propósito mesmo: não queria que quem chegasse até aqui lesse o que tenho a dizer sobre “Capitu” com o viés de quem acha que eu não posso ter uma opinião independente, ser também um mero espectador aberto (como a grande maioria dos que passam por aqui), capaz de gostar – ou não – de qualquer produto cultural a que está exposto. Enfim, se você acha que Machado de Assis é uma ferramenta que vem do interior de São Paulo, dê um novo google e procure algo mais “interessante”, pois agora vou falar de “Capitu” – algo que certamente não é, para emprestar mais uma vez o comentário do William Lima, algo que possa ser chamado de “música normal”. Pois mesmo tendo visto apenas os dois primeiros capítulos – tudo que já foi ao ar até este momento em que escrevo – estou absolutamente encantado com o que vi. E por várias razões.
A primeira, claro, pelo respeito à obra original. Quando logo no início, depois de uma abertura desorientadora de tão nova, quando Dom Casmurro começa a contar sua história – ou ainda, a história de como ganhou esse apelido – a partir de um encontro com alguém que conhecia “de vista e de chapéu”, percebei que a adaptação seria fiel. E como poderia ser diferente? Ao escolher esse livro para uma adaptação, por mais ousada que ela fosse (e ela é), quem teria a coragem de se arriscar na heresia de “reescrever” algumas das páginas mais lindas da nossa literatura? Passei então a ouvir – e em certos momentos, a ler também, já que parte do texto aparece manuscrito diluído entre as imagens – os diálogos e a narrativa da minissérie com o alívio de quem sabe que seus heróis estão sendo respeitados. E assim, pude aproveitar sem barreiras as outras delícias que “Capitu” tem a mostrar.
Como a linguagem gráfica, inspirada em cartazes de rua sobrepostos e empastelados. Ou ainda, para ficar ainda no impacto visual da minissérie, posso falar da confusão proposital entre imagens antigas e contemporâneas – ainda mais provocadora porque não há nenhuma tentativa de “modernizar” a história (talvez apenas a de apagar qualquer referência que o leitor/telespectador tenha da história tão conhecida, para assisti-la “do zero”, aceitar envolver-se mais uma vez com Capitu e Bentinho – e, claro, Escobar, que ainda não apareceu na história – , como se fossem personagens que estivesse conhecendo agora).
Nem só de imagens, porém, vive uma boa minissérie – você, tenho certeza, sabe citar alguns “contra-exemplos” de cabeça… “Capitu”, no entanto, é privilegiada ainda com interpretações precisas e que vão de encontro justamente a essa possível tentativa do diretor, Luiz Fernando Carvalho, de reapresentar cada um desses personagens. Bentinho (vivido pelo ator César Cardadeiro) vem com um tom ligeiramente mais infantil do que os quinze anos do personagem sugere – o que causa uma curiosa turbulência. Dom Casmurro – Bentinho mais velho – nos chega com pesada carga teatral (e exuberante) de Michel Melamed – e nos cativa exatamente pela nuance de caricatura e realidade que propõe. Capitu adolescente (Letícia Persiles) tem os próprios olhos de ressaca da personagem, e mais: uma alegria natural de viver esta menina que, mesmo aos 14 anos, era, como diria o próprio Casmurro, “mais mulher do que eu era homem”. Há ainda o “agregado” da casa de Bentinho, José Dias (Antônio Karnewale, perfeito), tio Cosme e prima Justina (Sandro Christopher e Rita Elmôr, respectivamente, também impecáveis) e todo um elenco que parece que se preparou a vida inteira para representar essa adaptação.
Nomes desconhecidos – aposto que você já pensou… Nesses dois primeiros capítulos, o único rosto familiar é o da excelente Eliane Giardini, que faz a mãe de Bentinho, Dona Glória (Maria Fernanda Cândido, que faz Capitu adulta – e adúltera? – ainda não apareceu na minissérie). Essa estranheza, porém, só conta a favor do projeto. É para limpar todas as referências? Então aí está um conjunto de atores que te conecta imediatamente com aquele fantástico leque de personagens.
Falo rapidamente da edição? Claro, pois os cortes de Luiz Fernando Carvalho continuam ousados. Se, em trabalhos anteriores, isso chegou a ser um obstáculo para a conexão com o telespectador, desta vez, em “Capitu”, a montagem de imagens e textos acha um bom equilíbrio entre experimentação e compreensão. Tanto que, à medida que assistimos cada capítulo, começamos a desejar novas estranhezas nessa narrativa – quase a ponto de nos incomodarmos quando ela volta a ser normal… Como a música.
Não a da trilha sonora de “Capitu” – que sonoriza as cenas de Dona Glória se vestindo com “God save the queen”, do Sex Pistols, e dá-se ao luxo de colocar praticamente uma faixa inteira de Beirut (uma banda que você talvez tenha descoberto na lista dos melhores discos que você não ouviu em 2007) logo nos primeiros minutos dos primeiros capítulos. Não, a música da minissérie não é normal – assim como não é normal nada que vi nesses dois primeiros capítulos, que tanto gostei. Eu diria até que gostei tanto porque não vi neles nada de normal.
Porque de normal a gente já está cheio. Eu pelo menos estou. E quem está comigo… 2009 nos espera!
(Postado por Zeca Camargo em 11 de Dezembro de 2008 às 16:34, no G1)




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