terça-feira, 20 de janeiro de 2009

ANTES TARDE DO QUE NUNCA...


Não tomem por saudosismo barato ou nostalgia, mas desde que os LPs de vinil sucumbiram aos disquinhos digitais, e estes aos MP3, a experiência de consumir música sofreu um considerável esvaziamento. Falo por mim, e por todos que como eu gostavam de ter em mãos ou na estante do quarto o objeto que desempenhava a importante função de complementar e enriquecer a experiência de ouvir nossos ídolos.

As grandes capas quadradas e os encartes duplos que embrulhavam as bolachas na prática eram pensados como extensão da proposta artística contida nos álbuns. Nem mesmo os mais otimistas se atreveriam a negar que a influência deste material impresso na audição das faixas deixou de existir a partir da era destas acanhadas e minúsculas caixinhas de CD.

Lembro-me de como era sagrado debruçar sobre o painel composto pelas enormes ilustrações abertas, ou mesmo deixar o rosto do ídolo, retratado em proporções reais, exposto em casa, como um anfitrião que nos acompanhava nas primeiras incursões por seu universo. Mesmo não sendo possível fechar os olhos para o advento tecnológico e a consequente democratização do acesso à produção musical ocorrida nas duas década anteriores, só quem conviveu com os Long Plays sabe a falta que fazem neste mundo de hoje.

Apesar de terem caído em desuso e quase se extinguirem por completo, os vinis ainda sobrevivem através de seus poucos admiradores e dos DJs, que, diga-se, nunca os abandonaram. O fechamento de quase todas as unidades designadas à fabricação dos LPs ao redor do globo inviabilizou o lançamento de novos títulos, praticamente relegando-os ao passado. Alguns artistas brasileiros, dentre os quais orgulhosamente inclui-se o Los Hermanos, souberam se aproveitar do privilégio de ter um disco lançado neste formato em pleno século XXI, antes que, em outubro último, a única remanescente nacional desta indústria, a Poly Som, fechasse suas portas.

Entretanto, por razões as quais me proponho investigar, a triste história sofreu um inesperado revés; impulsionado pelo espantoso aumento de 89% em vendas ocorrido em 2008 nos Estados Unidos, os discos de vinil ensaiam uma volta por cima. Por aqui a boa nova fica por conta da reativação da Poly Som, e do lançamento, até o fim deste mês, dos cinco primeiros volumes da série “Meu primeiro disco”, organizada pela SonyBMG. A gravadora pretende relançar em Long Play os álbum de estréia de trinta artistas, dentre os quais Chico Science e Nação Zumbi e Engenheiros do Hawaii.

A excelente iniciativa já pode ser considerada como um teste da receptividade que espera os discões no combalido mercado fonográfico. Desconfio que a aposta da vez se concentre no filão dos colecionadores de clássicos, já que o consumidor convencional, por motivos ideológicos os financeiros, não têm hesitado em se render aos downloads ilegais, que atualmente correspondem a 95% do total.
Minha teoria é que o revival dos vinis coincide com esta onda vintage que atualmente assola a humanidade (lembram da modinha de
Sleeveface?). Tem a ver, também, com a esperança que os executivos do ramo nutrem de descobrir uma fonte para novos proventos, uma que sempre esteve bem debaixo de seus narizes empinados.

Dois posts atrás citei a falta de habilidade dos caciques da indústria musical como provável explicação para o declínio de seu negócio. Uma das falhas capitais pela qual podem se culpar diz respeito a não terem conseguido ou atentado para a necessidade de se transformar os CDs em objetos de desejo, assim como antes foram os vinis. Numa época em que o costume dos mais novos, de baixarem canções aleatórias de um mesmo artista, sobrepõem o conceito de álbum, a ressurreição dos LPs pode significar ao menos a reconquista da coerência pretendida em determinados conjuntos de músicas.

O engraçado é pensar que em 1948, quando surgiram, os Long Plays solucionaram uma limitação tecnológica; até então os discos em goma-laca, de 78 rotações, restringiam-se a uma música por lado. A expressão álbum provém da encadernação de vários compactos, comprados um a um, contendo duas músicas cada. Somados, correspondiam a totalidade de um determinado disco. Trocando em miúdos, os LPs instituíram em definitivo o conceito de álbum como o conhecemos. Será que o destino se encarregará de, sessenta anos depois, incumbi-los desta mesma função?

Este post foi publicado em Instante Posterior, Segunda-feira, (19/01/2009), às 17h14.

Nenhum comentário:

Postar um comentário