sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

NADA SE CRIA - COLUNA INSTANTE POSTERIOR NO G1.(BY BRUNO MEDINA)

Justo quando achei que o Coldplay fosse assunto superado neste blog, eis que o nome da banda ressurge com força total, graças a uma nova polêmica. Desta vez, a questão não se relaciona à repercussão de nenhuma declaração proferida pelo falastrão Chris Martin, mas sim a uma improvável acusação de plágio, levantada por ninguém menos do que Joe Satriani.

O instrumentista americano não hesitou em recorrer ontem a um tribunal da Califórnia movido pela convicção de que a canção “Viva la vida” - gravada pelo grupo britânico em álbum homônimo - possui trechos idênticos a “If I could fly”, faixa de sua autoria, lançada em 2004.

A notícia causou surpresa, afinal não é todo dia que ídolos mundialmente conhecidos se envolvem numa desavença destas proporções. Se por um lado é até esperado que bandas capazes de gerar milhões através de suas músicas sejam alvos preferenciais de compositores supostamente lesados, por outro não é nada comum que denúncias desta gravidade partam de músicos consagrados.

Levado por irresistível curiosidade, saí em busca das duas faixas, afim de ouvi-las em seqüência e atestar o grau de parentesco existente entre elas. Posso dizer que já tenho opinião formada, mas é claro que vou deixar para revelar mais tarde, pelo prazer do suspense.

Antes do veredicto, porém, é válido recapitular ocasiões em que se levantou suspeitas quanto à originalidade de algumas músicas de sucesso. Talvez ninguém se desse conta, mas Renato Russo preferiu admitir de antemão que o verso inicial de “Será” fora integralmente chupado de “Say Hello Wave Goodbye” (Take you hands off me/ I don’t belong to you), do Soft Cell. Ponto para ele. Outra que a Legião Urbana pegou “emprestada” foi “I Don’t Care” dos Ramones, prima de primeiro grau, no mínimo, de “Que País é Esse?”

Lembro que na época em que os Tribalistas lançaram “Já Sei Namorar” chegou a ser comentado que o “tchururu” introdutório da música mais do que lembrava a melodia de um hit radiofônico da década de setenta, composto pelo Sly and Family Stone. O processo só não foi formalizado por falta de uma maneira mais eficiente de comprovar a inspiração.

Um dos casos mais gritantes de plágio da história da música foi também protagonizado por um renomado artista brasileiro. Em 1978, Rod Stewart (na foto) esteve de passagem por estas bandas e, além das lembranças de antológicas noitadas no Rio, resolveu levar para Escócia, bem acomodado em sua bagagem, um precioso souvenir: o “tê-tê-tê-tê-têreretêtê” de “Taj Mahal”, obra do genial Jorge Ben Jor. “Do You Think I’m Sexy?” alcançou o topo das paradas britânicas, mas não sem antes ceder todo o montante dos direitos autorais arrecadados em prol da Unicef. Saiu barato.

É bem provável que Ben Jor tenha preferido entrar em acordo com os gringos a se submeter ao penoso processo de comprovação de plágio. Pelo menos no Brasil a legislação determina que só há dolo quando existem sete compassos idênticos e consecutivos em duas obras. Mesmo os leigos no assunto devem estar aptos a concluir que este é um critério bastante relativo. Se o trecho copiado tiver a duração de seis compassos, por exemplo, não se configura o plágio. A rigidez da regra aplicada à matéria tão subjetiva é falha e deixa diversas lacunas.

Basta citar que a célebre melodia resultante do diálogo entre cientistas e alienígenas no filme “Contatos Imediatos de Terceiro Grau” de Steven Spielberg pôde ser utilizada ao longo de anos e sem maiores preocupações nas vinhetas da extinta TV Manchete. Eram só cinco as notas…

Grande parte das menções honrosas, homenagens, citações - ou qualquer outro eufemismo que sirva para tirar o peso do termo ‘plágio’ - escapa aos rigores da lei. Minha breve experiência na música, e menor ainda na literatura, já me rendeu provas da vulnerabilidade da propriedade intelectual. O jeito é relaxar e aceitar que no dito mundo globalizado esta noção de posse caducou. Como diz o ditado, na lógica de hoje “nada se cria, tudo se copia”.

De volta à discussão inicial, o advogado que representa Joe Satriani confirma a intenção de o músico receber do Coldplay compensações por danos morais e por todo lucro obtido pela tal música, o que deve ser mais do que suficiente para qualquer um tirar o pé (ou o braço da guitarra) da lama. Não custa lembrar que “Viva la vida” foi um dos discos mais vendidos de 2008 e concorre a sete indicações para o Grammy, uma delas na categoria “canção do ano”.

Entrar com o processo foi fácil, difícil mesmo será provar que houve intenção de plágio por parte de Chris Martin e seus colegas. Acho que faltou um amigo disposto a bater no ombro do guitarrista e dizer: “sai dessa, cara”. O início do refrão das duas músicas tem, de fato, algumas notas em comum, no entanto me pareceu mais coincidência do que propriamente intenção. Trata-se de um daqueles clichês melódicos que não pertencem a ninguém, estão por aí, no ar, desde os tempos dos Beatles. Vai ver o talentoso Satriani até sabe disso, mas preferiu se fazer de bobo e aproveitar para tirar uma onda, além de valorizar o próprio passe.

Este post foi publicado em Instante Posterior, Sexta-feira, (05/12/2008), às 19h32. Deixe seu comentário.

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