sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

DANÇA DA LEI - COLUNA INSTANTE POSTERIOR NO G1.

Confirmando previsões anteriores, bastaram apenas alguns dias em 2009 para que o noticiário voltasse a ser tomado por acontecimentos capazes de espantar o marasmo comum ao em torno da virada. O ano se inicia trazendo à tona uma antiga discussão que promete ainda fazer muito barulho.

A título de persistir com o enfadonho trocadilho, posso dizer que as primeiras notas desta controversa melodia se propagaram no outro lado do Atlântico, e agora reverberam mais altas do que nunca no lado de cá, onde muita gente não gostou do que ouviu; na última sexta o jornal britânico “The Guardian” dedicou suas páginas ao polêmico projeto que pretende promover o funk a movimento cultural no Rio.

Cabe registrar que desta vez não se deve considerar a proposta como uma daquelas que se sobrepõem a outras muito mais relevantes, e que apenas atravancam a pauta das assembleias legislativas Brasil afora. Apesar do que possa parecer, não se trata de reivindicar homenagem ou parcela da receita provinda do turismo, mas sim de legitimar uma manifestação cultural que, a despeito de alguns narizes torcidos, dá provas de já estar incorporada à cidade.

Caso aprovada, a principal conquista assegurada pela medida será de cunho político. A intenção dos idealizadores é destituir a Secretaria de Segurança Pública da responsabilidade de aferir acerca do funk. A motivação provém da necessidade de se obter um “nada opor” do batalhão policial da região antes que se obtenha permissão para realizar qualquer baile.

Segundo DJ Malboro, uma das indiscutíveis autoridades no assunto, a lei sancionada em maio do ano passado ratifica a existência de discriminação ao gênero musical. Exigências quanto a segurança, volume do som e horário de encerramento das festas são consideradas excessivas e estariam dificultando a bem-sucedida incursão dos bailes nas áreas nobres da zona sul, relegando-os à periferia.

Os que se opõem à supremacia do funk enxergam nas festas dedicadas ao “batidão” um pretexto para que sejam cometidas graves infrações. Valem-se de um conceito que povoa o inconsciente de parte da população, o de que os bailes estariam sempre associados à imagem de homens fortemente armados, consumo de drogas, exploração sexual de menores e apologia ao crime.

O funk, e mais especificamente os bailes, são de fato alvo de preconceito, não só no Rio como em todo o país. Assim como o samba ou o rock o foram em outros tempos, qualquer manifestação ou movimento cultural popular precisa antes vencer a desconfiança para depois se estabelecer.

Isto não deve ser confundido com juízo de valor que se possa ter em relação à qualidade das músicas ou dos artistas que as representam. Afinal, mesmo que hoje o funk não se fizesse presente no palco de atrações televisivas, no dial das rádios FM e nas celebrações de formaturas e casamentos dos mais abastados, mereceria ser respeitado como forma de expressão que de fato é.

Quanto ao citado projeto, o que visa proteger o movimento como espécie de patrimônio carioca, não sei se concordo. O lugar do gênero dentro do contexto cultural brasileiro deve se determinar por sua própria conta, como aliás costuma acontecer aos movimentos verdadeiramente significativos.

É equívocado acreditar que uma lei municipal garanta a ascensão do funk, mais ainda se, ao defender esta lei, alguns secretamente nutram a esperança de que ela represente uma carta branca para a realização dos bailes. Sejam expoentes máximos de uma divertida e legítima manifestação cultural, sejam a festa pagã temida por seus detratores, os bailes funk devem estar submetidos às regras da sociedade, as mesmas que regem os atos de cada um de nós.

Parece-me que a questão mais interessante em relação ao debate se traduz em uma pergunta: conseguiria o funk sobreviver na mídia dissociado da ideia de subversão e marginalidade que o consagrou?


Este post foi publicado em Instante Posterior, Terça-feira, (06/01/2009), às 14h12. Deixe seu comentário.

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