sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

ARTE OU CRIME - COLUNA INSTANTE POSTERIOR NO G1.


O Brasil é realmente um país de contrastes. A começar pela eficiência de nossa justiça e por sua incompreensível capacidade de se alternar entre pólos antagônicos. Costumamos classificá-la como digna de terceiro mundo quando sua vulnerabilidade - evidenciada pela permissividade de recursos em efeito cascata - garante a assassinos confessos o direito de aguardar seus eternamente protelados julgamentos em liberdade.

Outras vezes assume ares de primeiro mundo, demonstrando a rigidez e o comprometimento que se esperam dela, embora tais características, das quais deveríamos nos orgulhar, insistam em incidir apenas sobre os menos abastados. Hoje o noticiário me lembrou de algo que já havia esquecido. Um crime (?), destes que normalmente nem despertam mais comentários entre os amigos, mas cujo tempo parece estar se encarregando de tornar importante.

Já se vão 40 dias desde que Caroline Pivetta Mota, 23 anos, foi detida na Penitenciária Feminina de Sant’Ana, na capital paulista. A infração que supostamente cometera foi invadir a Bienal de Arte de São Paulo, em meio a dezenas de outros pichadores (se é que esta definição se aplica), para “intervir” no enorme espaço deixado vazio pela curadoria da exposição. Um ato impensado pelo qual Caroline está pagando, digamos, de forma “exemplar”.

A palavra me aborrece, por isso as aspas. A justiça deveria ser justa, não exemplar. Ao se meter nesta enrascada, Caroline nem poderia prever que corria o risco de ser pega como bode expiatório. Quem sabe até seus dias atrás das grades possam servir de exemplo para desencorajar seus colegas pichadores em futuros atos de depredação do patrimônio alheio.

Este caso me lembrou bastante o enredo de Edukators (2004). No filme, passado na Alemanha, a protagonista da história é uma estudante condenada a pagar quantia exorbitante relativa aos danos causados por seu carro à Mercedes de um rico empresário, num acidente automobilístico. Devido a sua precária situação financeira e considerando o valor do carro, o montante fora parcelado em prestações que se arrastariam por mais de uma década, obrigando-a a trabalhar quase que exclusivamente para sustentar sua dívida.

O episódio descrito aponta para a pergunta que também ecoa no caso de Caroline: teria havido excesso de rigor na punição? Pelo que sei, ao menos por aqui, jovens flagrados espalhando suas inscrições pelos muros da cidade não costumam ficar detidos por um período tão longo, muito menos numa penitenciária por onde já passaram criminosas da estirpe de Suzane Von Richthofen e Ana Carolina Jatobá.

O argumento da defesa se apóia na tentativa de descaracterizar o ato como invasão de propriedade, ao passo que contesta a idéia de que Caroline tenha, de fato, cometido qualquer crime. Segundo sua advogada, os próprios responsáveis pela Bienal teriam incentivado a interação do público com o vazio. Sendo assim, talvez tenha faltado estabelecer limites mais claros para tal. A questão resvala então, inevitavelmente, em outra: afinal, quais são as fronteiras que separam o grafite, tido como arte, da pichação, tida como crime?

Caroline espera em sua cela que se chegue logo a alguma conclusão.

Este post foi publicado em Instante Posterior, Terça-feira, (09/12/2008), às 18h07. Deixe seu comentário.

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