quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

O SENTIDO DO CAMINHO- ENCONTROS NO CAMINHO... PAULO COELHO


Em uma de minhas primeiras paradas nesta peregrinação, passei por um vilarejo na Espanha. Ali escrevi o texto abaixo. Penso que, não importa de onde viemos, sempre podemos chegar muito mais longe do que imaginamos. Esse é o exemplo que Francisco nos deu, e que devemos seguir.
Dedico este caminho a meus leitores. Muito obrigado pelo apoio de todos, pelas noites que passei lendo as mensagens aqui colocadas, e que me estimulavam sempre a seguir adiante. O sentido do caminho está nas pessoas, e sempre olhamos melhor o mundo quando permitimos que o mistério dos encontros se manifestem. Como diz a última frase de O Diário de um mago : “as pessoas sempre aparecem quando estão sendo esperadas.”
Paulo Coelho

Vinte anos depois: Francisco

Tomo café no terraço do hotel que dá vista para um castelo, um gigantesco castelo neste pequeno vilarejo com apenas algumas casas, na província de Navarra, Espanha. Já é noite, não há lua, estou refazendo de carro minha peregrinação a Santiago de Compostela, para comemorar os vinte anos quando cruzei este caminho à primeira vez.

O vilarejo onde estou, porém, não faz parte do percurso, que passa a uns 19 kms daqui. Mas pretendia visitá-lo, e aqui estou. Há quinhentos anos nasceu neste lugar um homem chamado Francisco. Deve ter brincado muito nos campos em volta do castelo. Deve ter banhado-se no rio que corre por perto. Filho de pais ricos, deixou sua aldeia para completar seus estudos na famosa Universidade Sorbonne, de Paris. Deduzo que foi sua primeira longa viagem.

Era atlético, bonito, inteligente, invejado por todos os alunos – menos por um, vindo da mesma e distante província espanhola, que se chamava Inácio. Inácio dizia: “Francisco, você pensa muito em você. Por que não dedicar-se a pensar em outras coisas, como Deus, por exemplo?” Não sabemos porque, mas Francisco, o mais belo e mais valente estudante da Sorbonne, deixa-se convencer por Inácio. Juntam-se com outros alunos, e fundam uma sociedade, que é motivo de risos de todos os outros, a ponto de alguém escrever na porta da sala onde se reuniam: Sociedade de Jesus. Ao invés de ficarem ofendidos, adotam o nome. E a partir daí, Francisco começa uma viagem sem volta.

Vai com Inácio a Roma, e pede que o Papa reconheça a “sociedade”. O pontífice aceita encontrar-se com os estudantes, e para estimulá-los, dá o seu acordo. Francisco – que morria de medo de navios e de mar – parte sozinho para o Oriente, imbuído do que considera sua missão. Nos próximos dez anos visitará a África, a Índia, Sumatra, Molucas, Japão. Aprenderá novas línguas, visitará hospitais, prisões, cidades e vilarejos. Escreverá muitas cartas, mas nenhuma – absolutamente nenhuma – fará referências a pontos “turísticos” destes lugares.


Comenta apenas a necessidade de levar uma palavra de coragem e esperança aos que são menos favorecidos.
Morre longe do vilarejo onde estou agora tomando meu café – e é enterrado em Goa. Em uma época em que o mundo era imenso, as distâncias quase insuperáveis, os povos viviam em guerra, Francisco achou que devia considerá-lo como uma aldeia global. Supera seus medos porque está consciente que sua vida tem um sentido.


Não sabe, enquanto caminha pelo Oriente, que seus passos jamais serão esquecidos, e que tudo que plantou dará frutos; está fazendo isso porque é sua lenda pessoal, a maneira que escolheu de viver sua vida.
Quinhentos anos depois, na cidade de Ahmedabad, na Índia, um professor pede a seus alunos uma biografia sobre ele. Um dos meninos escreve: “foi um grande arquiteto, porque em todo o Oriente existem escolas que construiu e que levam seu nome.”

Antonio Falces, que dirige um destes colégios, conta que viu duas pessoas conversando:
- Francisco era português – diz uma.
- Claro que não. Nasceu e foi enterrado aqui em Goa, responde a outra.

Ambas estão erradas, e ambas tinham razão: Francisco veio de um pequeno povoado de Navarra, mas era um homem do mundo, e todos os consideravam parte de sua própria gente. Tampouco era arquiteto especializado em construir escolas; mas como diz um de seus primeiros biógrafos, “era como o sol, que não pode seguir adiante sem espalhar luz e calor por onde passa”.

Penso em Francisco: sair daqui, correr o mundo, fazer com que o nome deste pequeno vilarejo seja levado a tantos lugares, a ponto de muita gente achar que é o seu sobrenome. Enfrentar seus medos, renunciar a tudo em nome de seus sonhos – que isso me inspire e me sirva de exemplo; eu que estudei em um dos colégios da tal “sociedade de Jesus”, ou S.J., ou escolas jesuítas, como são conhecidas.

Estou no povoado de Xavier. Tanto Francisco como Inácio, que veio de outro pequeno povoado, chamado Loyola, foram canonizados no mesmo dia, 12 de Março de 1622. Naquela manhã, colocaram uma faixa em um dos muros do Vaticano:

“São Francisco Xavier fez muitos milagres. Mas o milagre de Santo Inácio é ainda maior: Francisco Xavier.”

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