
Kosovo é uma região no sul da Sérvia, país que fazia parte da antiga Iugoslávia.
É um lugar muito especial para os sérvios, que o consideram o berço da sua civilização,
e é o local onde se desenrolaram os mais importantes eventos de seus 2 mil anos de história.
Para reforçar a sua política de integração o regime autoritário do presidente Tito
deu muitos incentivos às diferentes minorias étnicas, entre outras, à albanesa,
já que a Albânia faz fronteira com Kosovo. Jornais de língua albanesa, noticiários, escolas...
pouco a pouco, em razão dos incentivos governamentais, a população de Kosovo
foi se tornando predominantemente albanesa. Quando do fim da União Soviética,
seguido do desmembramento da Iugoslávia, os kosovares albaneses aproveitaram o momento oportuno para reivindicar a independência de Kosovo. Os sérvios, indignados, negaram qualquer possibilidade de acordo.
Criou-se uma polêmica entre os outros países.Juristas
especializados em direito internacional consideravam
a reivindicação improcedente.
Por outro lado, muitos opinavam que
a solicitação era justa dada a maioria esmagadora da atual
população ser albanesa. Quem está com a razão?
É uma questão difícil de ser respondida e para cada argumento
haverá um contra-argumento. Kosovo já proclamou unilateralmente
a sua independência, apoiado pelas potências européias. A Sérvia
vive um impasse político: recusar e perder para sempre a fonte da
sua identidade cultural ou concordar, comprando assim o seu
ingresso na União Européia.
Recentemente, a Rússia invadiu a Geórgia para garantir a
autoproclamada independência da Ossétia do Sul, baseada no fato
de que a população dessa região é predominantemente russa. Ante
as críticas do Ocidente, a Rússia rebateu dizendo que a situação é
idêntica à de Kosovo, em que os países ocidentais, liderados pelos
EUA, reconheceram a proclamação unilateral da independência.
No fundo, à margem de julgamentos éticos, cada país está apenas
defendendo os seus interesses: os EUA minando a Sérvia,
tradicional aliada dos russos e enclave estratégico nos Bálcãs,
e a Rússia, em contrapartida, enfraquecendo a Geórgia, aliada
dos norte-americanos.
O propósito deste artigo é alertar para a situação similar em que se
encontra o Brasil em relação às reservas indígenas na Amazônia.
Tomemos como exemplo a reserva ianomâmi, no extremo norte
do Brasil. Não é de hoje que diversos países estrangeiros vêm
questionando a soberania brasileira na Amazônia. Grande parcela
da população no exterior considera a Amazônia patrimônio da humanidade e,
portanto, defende a idéia de que o controle e a gestão desse “pulmão do mundo”
não deveriam estar concentrados num único país.
As notícias recorrentes de desmatamentos e
queimadas monumentais, de descaso e corrupção das autoridades
e da total falta de infra-estrutura do governo para fazer valer a lei
não contribuem para melhorar a imagem do Brasil no exterior.
Junte-se a isso o fato de que os índios na reserva
se autodenominam “nação ianomâmi”, de etnia, cultura e língua totalmente distintas,
detentora de um vasto território fronteiriço e bem demarcado,
e teremos uma situação potencialmente explosiva.
Os “nossos” índios, em sua maioria, vivem num limbo socioeconômico-cultural,
marginalizados como brasileiros e vivenciando o pior da civilização moderna.
Eles percebem o governo como o grande obstáculo que os impede de explorar
os imensos recursos minerais, biológicos e energéticos das terras
herdadas de seus antepassados.Vamos imaginar um agravamento drástico das relações internacionais e uma deterioração das relações Brasil-EUA,
a exemplo do que já ocorre entre os EUA e a Venezuela.
Somemos a isso um eventual aprofundamento da ainda longe
de ser superada crise boliviana
ou o reaquecimento do confronto Venezuela-Colômbia,
polarizando a geopolítica sul-americana.
Vamos supor que a Rússia aumente ainda mais a sua presença militar
no continente por meio de sua parceria com a Venezuela
e com os outros aliados. Aproveitando a oportunidade, a “nação ianomâmi”
declara a sua independência. Imediatamente,
diversas entidades ambientais apóiam o ato,
seguidas do reconhecimento diplomático dos EUA
e dos países que estão na vizinhança do território.
Outras reservas indígenas seguem o exemplo,
desmembrando o Brasil.A moeda de troca é fácil de encontrar:
independência para os índios, dando-lhes o direito de usufruir
os recursos minerais e ambientais de suas terras. Em contrapartida,
ao mundo é feita a promessa de uma exploração racional dos recursos,
implantação de lei e ordem na região, viabilizando a preservação do ecossistema.
Aos EUA é dada exclusividade na produção
e comercialização dos produtos e, principalmente,
em acordos para a instalação de bases militares
estrategicamente situadas no centro do continente,
como contrapeso à expansão russa. A redução do poder brasileiro
é vista com bons olhos pelos países vizinhos,
ainda ressentidos das diversas disputas territoriais
perdidas para o País no passado. Kosovo
e Ossétia do Sul servem de jurisprudência
e uma força internacional de “paz” é formada
para garantir a independência dos novos países.
Imaginação fértil? Antes da crise balcânica,
se dissessem a um sérvio que Kosovo seria anexado pela Albânia
em poucos anos, ele certamente chamaria o interlocutor de insano.
No entanto, é isso o que está acontecendo.
Num mundo cada vez mais dependente de espaços livres
e recursos naturais, a pressão externa sobre a Amazônia
será cada vez maior. Agir preventivamente, com a adoção de políticas adequadas
e investimentos condizentes com a amplitude do problema,
é a única forma de garantir a soberania para as gerações futuras.
Artigo original de Predrag Pancevski, mestre em Economia e Finanças,
professor na Fundação Getúlio Vargas, nasceu em Belgrado, na antiga Iugoslávia E-mail: pancevski@fgvmail.br
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