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27 de Dezembro de 2008 às 13:27
É triste ter de dizer isso, mas ao que parece caiu por terra o último bastião do romantismo no casamento. Sabe aquele casal que nunca desgruda? No qual marido e mulher são tão unidos que quase agem como um só indivíduo? Pois até eles andam apelando para o divórcio — e por razões completamente interesseiras. Coisa de verme mesmo. O que, aliás, não surpreende nem um pouco, porque afinal de contas eles são vermes. Literalmente.
O casal em questão é formado pelo macho e pela fêmea da espécie Schistosoma mansoni, verme que causa a terrível doença tropical conhecida como esquistossomose ou barriga d’água. Quem se lembra ao menos um pouquinho das aulas de biologia que teve na escola talvez seja capaz de conjurar a imagem mental de um parzinho de S. mansoni: o macho grandalhão eternamente abraçando a fêmea, a qual vive dentro dele. Aqui vai uma foto da dupla.
É triste ter de dizer isso, mas ao que parece caiu por terra o último bastião do romantismo no casamento. Sabe aquele casal que nunca desgruda? No qual marido e mulher são tão unidos que quase agem como um só indivíduo? Pois até eles andam apelando para o divórcio — e por razões completamente interesseiras. Coisa de verme mesmo. O que, aliás, não surpreende nem um pouco, porque afinal de contas eles são vermes. Literalmente.
O casal em questão é formado pelo macho e pela fêmea da espécie Schistosoma mansoni, verme que causa a terrível doença tropical conhecida como esquistossomose ou barriga d’água. Quem se lembra ao menos um pouquinho das aulas de biologia que teve na escola talvez seja capaz de conjurar a imagem mental de um parzinho de S. mansoni: o macho grandalhão eternamente abraçando a fêmea, a qual vive dentro dele. Aqui vai uma foto da dupla.
Sim, os esquistossomos, até pouco tempo atrás, pareciam seguir à risca o mandamento bíblico de que marido e mulher devem virar uma só carne. O corpo do macho musculoso possui uma adaptação especial para abrigar a parceira, o chamado canal ginecofórico (em grego, algo como “carregador de mulher” — mais literal impossível). Supunha-se que, uma vez aconchegada em tal ninho de amor, a moça ali permanecesse pelo resto da vida do casal, produzindo ovo atrás de ovo. Ledo engano.
Monogamia HollywoodFaz alguns anos que os cientistas descobriram algo de podre na vida amorosa dos esquistossomos. Em vez de uma monogamia ideal, do tipo “até que a morte os separe”, os bichos na verdade estão tão sujeitos ao divórcio quanto os seres humanos do século 21. Sua monogamia, portanto, é do tipo serial, “casa-e-separa”, tal como a dos casais de Hollywood.
Restava, no entanto, saber por que os casamentos de esquistossomos fracassam. Alcoolismo? Violência doméstica? Puladas de cerca? Nada disso. Segundo um estudo recente, feita por pesquisadores franceses, a principal parcela de culpa fica por conta do comportamento frio e calculista das fêmeas da espécie, a parte aparentemente mais frágil da relação.
Os experimentos coordenados por Sophie Beltran, da Universidade de Perpignan, estão descritos em artigo na revista científica de acesso livre “PLoS One” (que você pode ler de graça, em inglês, clicando aqui). A hipótese de Beltran e companhia não podia ser mais simples e bem bolada: como o objetivo último de qualquer casamento (principalmente no reino animal) é produzir bebês, é de se esperar que os divórcios acontecessem de olho em vantagens para a futura prole.
Como já tive ocasião de mencionar nesta coluna, o porquê de nós e muitas outras criaturas (incluindo os esquistossomos) nos reproduzirmos via sexo é um tanto misterioso. Uma das explicações mais aceitas, contudo, envolve o papel do sexo como gerador de diversidade genética. Considere um instante o fato de que você recebeu metade do seu material genético de seu pai e a outra metade, de sua mãe. Supondo que eles venham de famílias diferentes (o que, graças a Deus, é a situação usual entre humanos), é bem provável que eles contribuam com versões diferentes do mesmo gene para a “construção” do seu organismo.
Isso é um bocado bom, na maioria dos casos, porque possíveis deficiências no DNA de seu pai, por exemplo, podem ser contrabalançadas pelo gene “sadio” no DNA da senhora sua mãe. Sabemos, por exemplo, que em muitas doenças de origem genética os problemas só aparecem, ou só são severos, se o indivíduo carregar duas cópias do gene defeituoso. É por isso, aliás, que evitamos inconsciente e conscientemente o contato sexual com nossos parentes próximos. Ter filhos com uma irmã, ou mesmo com uma prima, equivale a dar mole para o azar, aumentando a chance de uma concentração de genes nocivos no mesmo corpo.
Festa estranha com gente esquisita Ora, será que esse princípio básico não estaria influenciando o divórcio entre os S. mansoni? O que aconteceria se, por exemplo, indivíduos já “casados” fossem expostos a vermes geneticamente mais diferentes deles do que seus parceiros atuais são?
Foi essa, de fato, a estratégia adotada pelos pesquisadores franceses. Antes, porém, era interessante saber qual era o sexo com maior probabilidade de iniciar o divórcio, e para isso eles manipularam a quantidade relativa de indivíduos machos ou fêmeas no corpo de um hospedeiro (camundongos, no caso). O que eles viram é que, quando há excesso de machos, o divórcio é muito mais provável do que quando há sobra de fêmeas — o que indica que elas é que estavam dando início à separação.
Próximo passo: inundar uma população de esquistossomos “casados” com machos de composição genética variada, alguns deles bem diferentes das fêmeas comprometidas. E o esperado aconteceu. Quanto maior a diferença genética entre fêmeas e machos recém-chegados, maior a chance de que elas fossem parar nos braços — ou melhor, no canal ginecofórico — deles.
É irônico que tantos divórcios humanos sejam postergados, às vezes indefinidamente, por causa dos filhos. A julgar pelo imperativo da busca pela diversidade genética, as “esquistossomas” talvez usem o mesmíssimo argumento, só que para se divorciar: “Querido, estou fazendo isso pelas futuras crianças!”.
Monogamia HollywoodFaz alguns anos que os cientistas descobriram algo de podre na vida amorosa dos esquistossomos. Em vez de uma monogamia ideal, do tipo “até que a morte os separe”, os bichos na verdade estão tão sujeitos ao divórcio quanto os seres humanos do século 21. Sua monogamia, portanto, é do tipo serial, “casa-e-separa”, tal como a dos casais de Hollywood.
Restava, no entanto, saber por que os casamentos de esquistossomos fracassam. Alcoolismo? Violência doméstica? Puladas de cerca? Nada disso. Segundo um estudo recente, feita por pesquisadores franceses, a principal parcela de culpa fica por conta do comportamento frio e calculista das fêmeas da espécie, a parte aparentemente mais frágil da relação.
Os experimentos coordenados por Sophie Beltran, da Universidade de Perpignan, estão descritos em artigo na revista científica de acesso livre “PLoS One” (que você pode ler de graça, em inglês, clicando aqui). A hipótese de Beltran e companhia não podia ser mais simples e bem bolada: como o objetivo último de qualquer casamento (principalmente no reino animal) é produzir bebês, é de se esperar que os divórcios acontecessem de olho em vantagens para a futura prole.
Como já tive ocasião de mencionar nesta coluna, o porquê de nós e muitas outras criaturas (incluindo os esquistossomos) nos reproduzirmos via sexo é um tanto misterioso. Uma das explicações mais aceitas, contudo, envolve o papel do sexo como gerador de diversidade genética. Considere um instante o fato de que você recebeu metade do seu material genético de seu pai e a outra metade, de sua mãe. Supondo que eles venham de famílias diferentes (o que, graças a Deus, é a situação usual entre humanos), é bem provável que eles contribuam com versões diferentes do mesmo gene para a “construção” do seu organismo.
Isso é um bocado bom, na maioria dos casos, porque possíveis deficiências no DNA de seu pai, por exemplo, podem ser contrabalançadas pelo gene “sadio” no DNA da senhora sua mãe. Sabemos, por exemplo, que em muitas doenças de origem genética os problemas só aparecem, ou só são severos, se o indivíduo carregar duas cópias do gene defeituoso. É por isso, aliás, que evitamos inconsciente e conscientemente o contato sexual com nossos parentes próximos. Ter filhos com uma irmã, ou mesmo com uma prima, equivale a dar mole para o azar, aumentando a chance de uma concentração de genes nocivos no mesmo corpo.
Festa estranha com gente esquisita Ora, será que esse princípio básico não estaria influenciando o divórcio entre os S. mansoni? O que aconteceria se, por exemplo, indivíduos já “casados” fossem expostos a vermes geneticamente mais diferentes deles do que seus parceiros atuais são?
Foi essa, de fato, a estratégia adotada pelos pesquisadores franceses. Antes, porém, era interessante saber qual era o sexo com maior probabilidade de iniciar o divórcio, e para isso eles manipularam a quantidade relativa de indivíduos machos ou fêmeas no corpo de um hospedeiro (camundongos, no caso). O que eles viram é que, quando há excesso de machos, o divórcio é muito mais provável do que quando há sobra de fêmeas — o que indica que elas é que estavam dando início à separação.
Próximo passo: inundar uma população de esquistossomos “casados” com machos de composição genética variada, alguns deles bem diferentes das fêmeas comprometidas. E o esperado aconteceu. Quanto maior a diferença genética entre fêmeas e machos recém-chegados, maior a chance de que elas fossem parar nos braços — ou melhor, no canal ginecofórico — deles.
É irônico que tantos divórcios humanos sejam postergados, às vezes indefinidamente, por causa dos filhos. A julgar pelo imperativo da busca pela diversidade genética, as “esquistossomas” talvez usem o mesmíssimo argumento, só que para se divorciar: “Querido, estou fazendo isso pelas futuras crianças!”.
(Post publicado na coluna VISÃO DE VIDA, NO G1)
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