sábado, 18 de abril de 2009

QUANDO A LUZ VERMELHA ACENDE - BRUNO MEDINA EM INSTANTE POSTERIOR.


Penumbra, silêncio. Dentro do hermético e diminuto espaço ressoa apenas o som do pensamento. Quanta solidão. A lâmpada vermelha se ilumina, é chegada a hora de responder. “Sim” ou “Não”, qual a escolha acertada? Depende. “Mas se eu estiver trocando a bicicleta por uma banana?”. Azar. “O relógio está correndo. Então, o que vai ser?”.
Os leitores veteranos deste blog devem ter percebido que o trecho acima faz alusão ao quadro de um conhecido e antigo programa televisivo. Pois durante boa parte da infância eu, como tantos outros de minha geração, fantasiei estar dentro daquela cabine, de onde era possível sair consagrado ou humilhado, a depender do que fosse respondido. A brincadeira consistia exatamente nisto; decidir entre “sim” e “não” ao acaso, sem ouvir o que estava sendo oferecido.
Não havia mérito a ser recompensado que não a sorte, portanto a graça estava mesmo em assistir as crianças do auditório se descabelarem pelas escolhas absurdas. E toda vez que alguém trocava o videogame por uma chupeta ou um relógio quebrado era aquele desespero, porque cada um de nós pensava: “fosse eu lá, dentro da cabine, as coisas teriam sido diferentes”. Por motivos um tanto óbvios a situação descrita foi ao que me remeteu o drama vivido pelo jogador Adriano, que a esta altura já transcende à própria esfera esportiva.
A questionável atitude de por em xeque uma promissora carreira em nome de estar mais próximo da família e dos amigos tornou-se um daqueles temas sobre o qual quase todo mundo tem opinião. O engraçado é constatar que neste caso, também como no programa, o grande espetáculo tem sido proporcionado por quem o assiste.
Nas mesas redondas, nas mesas de bar –e até na mesa da cozinha- calorosas discussões mobilizam gente que pouco entende do assunto, enquanto o maior interessado parece estar sereno e confiante em sua decisão. Fosse Adriano um vendedor de peças automotivas a desistir do emprego por ter sido transferido para uma cidade distante da sua, provavelmente o índice de compreensão atribuível à sua escolha seria bem diferente.
Povoam o imaginário coletivo os milhões relativos ao contrato rompido, a mansão e o suposto glamour do qual desfrutava em Milão. Para alguns há uma dose de desdém e irresponsabilidade no discurso do jogador, endossado pelo aparente desprendimento com que em breve trocará a riqueza pela vida simples da favela. De certa maneira, Adriano pode ter frustrado os milhares de meninos que almejam ter uma chance de ascender nos idílicos gramados europeus. É como se dissesse: “fui lá viver o seu sonho e não gostei, prefiro o que vocês tem aqui”.
Taí uma coisa difícil de se fazer entender. Como a dura rotina da Vila Cruzeiro pode ser melhor do que as mordomias de Milão? Aos olhos de muitos brasileiros ele trocou de maneira consciente a bicicleta pela banana, e este é um desfecho absolutamente inesperado para a conhecida história. O ponto na curva em que a vida real o aproxima de um personagem de ficção. Arrisco-me a dizer que este revés no enredo tem a capacidade de se transformar no evento mais lírico presenciado nos últimos tempos. Afinal, em tese, Adriano é o cara que abriu mão do luxo para viver na pobreza, entre os seus.
Tomado pelo alívio da resolução, aparece na TV, de bermuda e chinelos, para reclamar da pressão que sentia na Itália. “E eu, não tenho pressão no meu trabalho também?”, grita um sujeito de dentro do bar. Passado o olho do furação, nem a companhia dos entes mais queridos evitará que o Imperador seja julgado por seus atos. A começar pela falta de lisura profissional evidenciada no episódio, o contrário do que deveria se esperar de um jogador de sua estirpe.
Abandonar um dos principais times do mundo durante um campeonato em curso com certeza não é uma atitude que facilitará suas futuras pretensões no futebol. Portanto, para voltar a ser grande, terá que provar estar recuperado. E quando isto acontecer, seus frequentes deslizes disciplinares não mais serão encarados como válvula de escape. Pensando bem, não vai ser nada fácil ser o Adriano daqui para frente. Digno de ser submetido a tratamento psicológico ou de merecer uma medalha pela coragem demonstrada? Nem um nem outro.
Sozinho, dentro da cabine, a lâmpada vermelha acendeu. Ele respondeu.

Este post foi publicado em Instante Posterior, terça-feira, (14/04/2009), às 09h35. Deixe seu comentário.

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