sábado, 18 de abril de 2009

O CARÁTER NACIONAL - SITE EM OUTRAS PALAVRAS.


Lembram-se do recente episódio da advogada Paula Oliveira, que mentiu às autoridades suíças sobre um suposto ataque que teria sofrido de neonazistas?Bem, não sei em você, mas em mim provocou um profundo mal-estar. Como agora se sabe, não só o ataque não ocorreu, como também ela não sofreu o alegado aborto de dois bebês. Simplesmente não estava grávida.Por que o mal-estar diante do fato? Primeiro, porque ele reforça a impressão de que nós brasileiros não somos confiáveis. E, mais importante, porque o preconceito talvez não seja de todo destituído de fundamento.É certo e óbvio que não somos todos mentirosos. E também não é correto fazer generalização sobre o "caráter" de um povo. Mas quem de nós brasileiros, com algum grau de consciência e noção de ética, há de negar que uma malandra propensão a driblar a verdade, embrulhá-la em artifícios retóricos ou escondê-la nas dobras de histórias mal contadas é um traço do modo de ser deste país? Não raro socialmente valorizado como esperteza, "manha" ou “jeitinho brasileiro”.Não há no Brasil, a começar pelo exemplo cotidiano dos governantes e das autoridades do Estado, o respeito às regras de conduta, às leis estabelecidas, e ao certo e o errado.Nessa matéria, a nossa marca tem sido a ambigüidade. Na esfera pessoal e privada, a ambigüidade pode ser útil para evitar conflitos ou deixar certo espaço para adaptação de regras e práticas a circunstâncias e contextos variáveis. É tênue, porém, a fronteira entre a ambigüidade inofensiva e a dissimulação deletéria - pela omissão, negação ou distorção dos fatos - a serviço da transgressão, do embuste ou da fraude.O traço "cultural" da ambigüidade, em suas modalidades mais e menos benignas, reflete estratégias de sobrevivência e dominação que vêm de longe. Entre nós, difundiu-se essa prática como um estratagema recorrente para driblar, por bons ou maus motivos, os obstáculos num, muitas vezes kafkiano, universo das obrigações burocráticas. Via de regra as impostas pelo Estado.Aliás, não é se não pela excessiva interferencia e pelo “peso” do Estado nas costas da sociedade, que essa má conduta difundiu-se e, fez crescer, de forma endêmica, a corrupção no Brasil. Não há a menor duvida que o Estado e seus agentes são os grandes incentivadores e corruptores da Nação. Criam dificuldades de toda a ordem à vida dos cidadãos para em seguida, venderem facilidades... E o fazem como forma de manter “no cabresto” toda a sociedade, que, dessa forma, depende dos “favores” dos políticos e dos burocratas para quase todas as atividades. Do último subalterno das prefeituras, aos titulares das instituições federais.Se as exigencias burocraticas fossem menores, se os impostos fossem menos escorchantes, pouco disso subsistiria.Visto em conjunto, esse panorama revela a escassa experiência histórica dos brasileiros com o que no mundo anglo-saxão se chama "rule of law", o império da lei. Não apenas o conjunto de leis, mas a sua aplicação isonômica, eficiente, à todos os cidadãos. Nada mais essencial ao ideal democrático.Os anglo-saxões não mentem menos na esfera pública porque são congenitamente mais virtuosos, mas sim porque aprenderam que a mentira ou a omissão tem custos que podem trazer grandes desvantagens, diante de um sistema legal que opera com um razoável grau de equidade e eficiência. Além disso, via de regra, há um bom exemplo das autoridades constituidas.Em nenhuma outra área da vida brasileira a mentira ganhou tantas pernas e o embuste tantas formas quanto na política, sobretudo na ampla zona de interseção em que ela se encontra e se mistura com os negócios públicos e privados. Não sejamos ingênuos: em nenhum lugar do mundo os ideais da "transparência na política" e da separação entre a política e os negócios se concretizaram plenamente. E em nenhum lugar os protagonistas falam com absoluta sinceridade sobre como o jogo é jogado, mesmo diante das evidências mais claras. Mas convenhamos que no Brasil o desapego à verdade dos fatos chegou a extremos.Os partidos políticos tornaram-se o emblema dessa enfermidade, e a contribuir ativamente para propagá-la. O discurso não apenas perdeu substância, como se tornou, na média, espantosamente cínico. E para manterem o “status quo” esmeram-se em proteger um sistema eleitoral viciado, deturpado e de uma representatividade duvidosa...O que precisamos fazer para amenizarmos, pelo menos, os efeitos públicos desse “caráter nacional”?Criar filtros que possam minimamente separar o joio do trigo e, democraticamente, depurar a vida política do País. Para tanto, reformas e ajustes institucionais são absolutamente necessários. Mas elas só se farão, infelizmente, pela pressão da sociedade, e não pelo virtuosismo dos políticos...E é preciso acharmos um meio das instituições atuais serem céleres e capazes de condenar, com eficácia, os que roubam dinheiro público e praticam outros atos lesivos a sociedade, ou será muito difícil reverter, democraticamente, a tendência acentuada de degeneração da vida pública, no Brasil. E como sabemos, a depuração dos costumes políticos por via não democrática, via de regra, leva ao arbítrio, e não à solução dos problemas que diz atacar.


O artigo original é de Sérgio Fausto, coordenador de Estudos e Debates do iFHC, está significativamente alterado pelo Freeman.

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