sábado, 18 de abril de 2009

ARTE DOS FALSÁRIOS - NO SITE EM OUTRAS PALAVRAS.


O subprime foi um gigantesco esquema de Ponzi* - fraude em que, como na corrente da felicidade, ganha quem joga, até que a pirâmide invertida venha abaixo. Enquanto a bolha imobiliária americana cresceu, credores emitiram hipotecas ao deus-dará, bancos as enfeitaram com a emissão de títulos, maquiados pelas agencias de classificação de risco, que gestores de recursos compraram com dinheiro emprestado, contabilizando lucros não realizados. Fortunas se criaram e se perderam, mil vezes maiores que os US$ 50 milhões que Van Meegeren ganhou falsificando quadros de Vermeer e vendendo-os a museus na Holanda e a nazistas durante a 2ª Guerra Mundial. Frank Wynne conta essa história em Eu Fui Vermeer.De Beny Parnes, estrategista-chefe do BBM Investimentos, recebi o livro e a recomendação de traçar paralelos entre os desvarios do mercado financeiro na última década e os do falsário holandês na metade do século 20.O sucesso do falsário depende de dois elementos: avanço da tecnologia e desejo da vítima de se deixar enganar. O avanço técnico no caso de Meegeren foi a baquelita, primeiro plástico para fins comerciais, que lhe permitiu substituir o óleo vegetal como veículo na pintura. Com ela obteve o endurecimento da tinta, necessário para mantê-la inalterada em testes de autenticidade. No caso do esquema financeiro, a inovação tecnológica combinou derivativos com artimanhas de controle de risco, como a securitização que transformava em títulos AAA empréstimos hipotecários - cuja qualidade era tão ruim que até mesmo Alan Greenspan, depois do desastre consumado, se confessou em estado de choque.Quanto ao segundo elemento necessário ao seu sucesso, Van Meegeren encontrou-o no desejo dos críticos de descobrir quadros de um período intermediário na obra de Vermeer. Apesar da pequena produção do pintor seiscentista, existe uma disparidade gritante de estilo e tema entre Diana e suas Companheiras (obra do artista jovem) e A Leiteira (o primeiro trabalho da maturidade). No vazio entre um e outro, os críticos imaginaram um Vermeer desaparecido, que uniria as duas fases. O falsário identificou o desejo dos críticos e o realizou.“Falsificações são um retrato cambiante dos desejos humanos. Cada sociedade falsifica as coisas que mais cobiça”, argumenta Mark Jones em The Art of Deception. No começo do século 21 o desejo era o de uma vida incompatível com os ganhos da economia real. A ganância incitava a crença na ausência de riscos, na morte da teoria do ciclo de negócios e no céu como limite para as taxas de crescimento.Beny Parnes observa: “Os agentes financeiros sabiam o que faziam. Ou quase todos. Com certeza não faltava consciência de seus próprios atos aos empacotadores de hipotecas e aos bancos que colocavam esses pacotes em suas carteiras de investimento. Os compradores dos ativos suspeitavam do que estava acontecendo. Mas o desejo de altos rendimentos gerava a crença em hipóteses bobas sobre risco e o incentivo para entrar no negócio e comprar o Vermeer de Meegeren”.Como dizia Maquiavel, “quem trapaceia sempre encontra quem se deixa trapacear, porque os homens cedem prontamente a desejos momentâneos”.A diferença entre a experiência dos falsários de hoje e a de Meegeren está na seqüela da trapaça. Meegeren agiu como indivíduo isolado. Preso, e depois absolvido, causou prejuízos e decepção a museus e seus freqüentadores, mas não um desastre econômico. No século 21 a ação coletiva de milhares de investidores produziu uma bolha hipotecária que mudou a alocação de recursos e terminou em catástrofe para o globo.


* Este artigo (editado pelo Freeman) é da economista e professora Eliana Cardoso. Foi escrito no início de Dezembro, antes da divulgação da notícia da prisão de Bernard Madoff que, através de seus fundos financeiros criou um verdadeiro esquema de Ponzi, fraudando aplicadores do mundo inteiro em pelo menos US$50 bilhões. Realmente, com esta enorme crise financeira, recheada de escândalos explícitos e pior, não explicitos, está na hora de pensarmos seriamente em manter nosso rico dinheirinho debaixo dos nossos colchões...
A pintura é (esperamos) do verdadeiro Vermeer - "A garota do brinco de pérola".

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