sábado, 18 de abril de 2009

EU QUERO TER UM MILHÃO DE AMIGOS

Ashton Kutcher provavelmente nunca deve ter ouvido falar de Roberto Carlos e, portanto, nem deve desconfiar que sua recente obsessão já havia sido ambicionada, quase 35 anos antes, pelo rei. “Eu quero apenas” é uma daquelas músicas em que Roberto destila sua invejável capacidade de entoar as coisas simples da maneira simples, e exulta o real valor da amizade no verso que sagrou-se como um de seus mais conhecidos bordões: “eu quero ter um milhão de amigos, e bem mais forte poder cantar”.
A utopia de um tornou-se, enfim, a realização do outro; hoje, pela manhã, o astro dos filmes “Cara, cadê meu carro?” e “Recém Casados” declarou-se vencedor da batalha que travava com a poderosa CNN. O motivo da peleja? Qual dos dois perfis seria o primeiro a contabilizar a marca de um milhão de seguidores no Twitter.
A inofensiva disputa assumiu contornos épicos e chegou a polarizar os usuários da rede social, a partir do momento em que ficou evidente o que estava realmente em jogo. Afinal, o que devemos concluir deste episódio que resulta na consagração do ator –célebre por ter apresentado um programa de pegadinhas na MTV americana e por ser casado com Demi More- frente à mundialmente prestigiada rede de notícias?
Antes de responder à pergunta, cabe mencionar que não há muito o Twitter gozava de pouquíssimo prestígio. Criado em meados de 2006, o site de compartilhamento de mensagens instantâneas parecia ter encontrado sua vocação justo onde está o calcanhar de Aquiles de seus antecessores. O formato que limita as postagens a 140 caracteres, na prática, representou um convite à disseminação de relatos sem relevância sobre o cotidiano dos usuários.
Aos poucos, o aparente empecilho, decorrente da obrigatoriedade de postar textos pequenos, passou a ser enxergado como uma forma prática e direta de comunicar. A adesão de profissionais respeitados em diversas áreas, atraídos pela agilidade com que circula a informação pelo Twitter, serviu para confirmar a tese de que havia um grande potencial a ser explorado por quem se aventurasse pela rede.
Assim ao menos deviam pensar os integrantes do comitê eleitoral de Barack Obama, que apostaram (e acertaram) na capacidade do site virar a vedete de um dos mais significativos pleitos da história dos Estados Unidos. Como se não bastasse, em janeiro deste ano foi de um usuário da rede o furo do fantástico acidente que culminou no pouso de emergência, sem vítimas, de um avião comercial lotado nas águas do rio Hudson. Ambos os fatos devem ter colaborado para que o Twitter crescesse 131% apenas no mês passado.
Se não restam dúvidas quanto à relevância do que pode vir a ser compartilhado na rede, o mesmo não deve ser dito sobre o reinado que Kutcher acaba de conquistar. Envaidecido pela comprovação de sua fama, caprichou no discurso: “Isto é como Davi versus Golias. E mostra como as pessoas querem ser informadas. Isto é sobre nós. Significa que um homem pode ter mais voz que uma rede de noticiários”. Apesar de ter associado sua marcha triunfante ao combate à malária –o ator comprometeu-se em contribuir na prevenção da doença- a impressão que fica é a de que sua maior motivação foi mesmo inflar o próprio ego.
A disputa em que se meteu inaugura a segunda etapa da “Era Twitter”. Confirmadas influência e popularidade, resta ficar claro que a rede consolidou em definitivo sua transição: do voyeurismo das amenidades da vida alheia à importante engrenagem da nova ordem que regerá a informação neste século. Para isto, um bom começo seria dissociar-se de imediato da imagem de Kutcher.



Este post foi publicado em Instante Posterior, sexta-feira, (17/04/2009), às 16h54.

Nenhum comentário:

Postar um comentário