sábado, 7 de fevereiro de 2009

APOCALIPSE- REINALDO JOSE LOPES EM VISÃO DE VIDA,NO G1,07/02/2009.

APOCALIPSE
Existe uma linha tênue que separa o alarmismo, o gosto midiático pela catástrofe, do alerta ponderado e necessário. Pode ser que, para muita gente, essa linha tenha sido cruzada – para o lado errado, o do exagero pelo exagero – no debate recente sobre o aquecimento global. O reflexo de atribuir qualquer catástrofe climática ao fenômeno, além de discutível do ponto de vista científico, decerto deixou ao menos algumas pessoas anestesiadas, e até céticas, diante da ameaça. Meu ponto aqui não é lançar dúvidas sobre a existência do fenômeno – acho difícil discordar que ele existe, é grave e tem participação humana, provavelmente majoritária. Não dá para minimizar as incertezas em relação a seus efeitos, já que ainda sabemos relativamente pouco sobre como o sistema climático funciona. O que dá para fazer, no entanto, é voltar nosso olhar para o passado da Terra e ver o que aconteceu quando uma forma descontrolada de aquecimento global tomou conta do planeta. E o cenário, nesse caso, não é nada agradável.

É difícil de evitar o tom apocalíptico ao descrever o que houve há 251 milhões de anos. Os paleontólogos já apelidaram essa forma amalucada de mudança climática de “a Grande Morte”, “a mãe de todas as extinções”, e por aí vai. Estamos falando da extinção em massa do período Permiano, a pior de todas as chamadas Big Five, como são conhecidos os cinco grandes desastres da história da vida na Terra. Ainda há buracos consideráveis no nosso conhecimento do desastre do Permiano, mas o quadro que está virando consenso entre os pesquisadores tem alguns pontos em comum: o sumiço de cerca de 90% das espécies vivas no mar e em terra firme; a ação de vulcões; e um efeito-dominó que envolveu um aumento cada vez mais acentuado da temperatura do globo.


O assustador é que, pelo visto, todas as causas da mortandade estão ligadas a fenômenos internos do nosso planeta, ao contrário da extinção que mandou os dinos para o céu dos lagartões bem mais tarde, há 65 milhões de anos – nesse caso, a culpa quase certamente é da queda de um meteorito com uns 10 km de diâmetro. Pelo que sabemos, nenhum tipo de bombardeio cósmico foi necessário para engendrar a catástrofe do Permiano, embora alguns cientistas tenham chegado a identificar a suposta cratera de impacto ligada à Grande Morte.


De volta para o passado


O mundo do Permiano era quase tão complexo e cheio de vida quanto o nosso. Embora os vertebrados voadores não existissem – pterossauros, aves e morcegos são “invenções” bem posteriores –, a vida em terra comportava uma multidão de répteis e anfíbios. Alguns dos lagartões eram aparentados aos ancestrais dos mamíferos e caçavam com a ajuda de dentes de sabre, como os gorgonopsianos, que você conferir na imagem ao lado. Outros eram herbívoros grandalhões e lerdos. Insetos voejavam pelas florestas, e o mar estava coalhado de recifes de coral bem diferentes dos atuais, por onde nadavam peixes esquisitões e cefalópodes (membro do grupo dos polvos e lulas) com casca, como os caramujos.

Ainda há dúvidas sobre quanto tempo foi necessário para virar esse mundo estranho e bonito de ponta-cabeça. Nas camadas de rocha que os paleontólogos estudam para determinar a sucessão de animais e plantas fósseis, o fenômeno parece instantâneo. Mas, numa época tão remota, o que a gente costuma chamar de “instante geológico” pode ter se estendido por até 500 mil anos, período que não passa de um espirro diante dos 4,5 bilhões de história da Terra.

Seja como for, os principais concorrentes a iniciadores do desastre são imensos derrames de lava, os chamados traps siberianos, no leste da Rússia. Apesar da semelhança com a palavra inglesa para “armadilha”, trap na verdade é um termo sueco que quer dizer “escadaria”, por causa do formato que resulta desse tipo de erupção vulcânica. Os traps da Sibéria cobriram nada menos que 4 milhões de quilômetros quadrados, ou quase meio Brasil, com material vulcânico, a uma espessura que variava de 400 m a 3 km.

Uma erupção desse tamanho tem efeitos paradoxais. Primeiro, lança no ar quantidades estratosféricas de material particulado e dióxido de enxofre, o que escurece os céus do planeta, impede a passagem da luz solar e leva a uma espécie de inverno global prolongado. No entanto, esse é só o resultado de curto prazo. Quando essa sujeira é “lavada” pelas chuvas (que se tornam ácidas, destruindo a vegetação), o que realmente persiste na atmosfera por décadas é o dióxido de carbono que também foi emitido pela erupção. Caso você não esteja lembrado, essa substância, também conhecida como gás carbônico, é a principal responsável por reter calor na superfície da Terra.

Calor sustentável


O aquecimento global ligado apenas ao fenômeno vulcânico já seria suficientemente ruim. O paleontólogo britânico Michael Benton, da Universidade de Bristol, sugere que ele pode ter chegado aos 6 graus Celsius em seu livro “When life nearly died” (Quando a vida quase morreu). O problema é que o calor parece ter dado um jeito de se alimentar a si mesmo.

A pista a esse respeito está numa estranha “assinatura” do elemento químico carbono presente nas rochas do fim do Permiano. Os seres vivos se parecem um pouco com crianças mimadas quando o assunto é carbono: eles preferem muito mais “comer” uma variante do elemento do que outra. O “cardápio” de carbono preferido pelos seres vivos, que adquirem o elemento (direta ou indiretamente) por meio da fotossíntese é o carbono-12, forma “leve” do átomo. Isso significa que, normalmente, as rochas acabam ficando com quantidade relativamente elevada de carbono-13, mais “pesado”.

Acontece que as rochas do Permiano têm uma quantidade muito maior que a normal de carbono-12. Isso poderia significar que a fotossíntese sofreu um colapso nessa época, o que até faz sentido, mas apenas isso não seria suficiente para explicar as quantidades muito elevadas de carbono-12 nas rochas. A explicação mais provável é que o calor ligado ao vulcanismo foi tão forte que acabou liberando, do fundo do mar, imensas quantidades de metano, um gás-estufa muito poderoso originalmente produzido por bactérias e, por isso, enriquecido com carbono-12. Esse metano estava preso em “jaulas” de gelo – água congelada em cujo interior estava o gás – e teria subido com violência para a superfície.

Aí é que o bicho pegou de vez. Primeiro, o metano teria escapado em bolhas enormes, com grande violência, tornando trechos da água do mar e da atmosfera irrespiráveis por curtos períodos. O pior, no entanto, foi o que aconteceu depois. O metano tende a se combinar rapidamente com o oxigênio da água e do ar, produzindo mais gás carbônico. O processo todo não só diminui a oxigenação atmosférica e marinha como também torna a água dos oceanos mais ácida e menos propícia para os invertebrados marinhos que precisam de um ambiente alcalino para formar suas conchas ou invólucros. E, claro, mais dióxido de carbono significa mais calor – e, quanto mais quente a água, menos oxigênio se dissolve nela.

Em condições normais, as plantas poderiam retirar o dióxido de carbono do ar e da água por meio da fotossíntese, mas a chuva ácida ligada ao vulcanismo parece ter matado tantos vegetais que eles simplesmente não agüentaram o tronco. Vastas áreas de solo fértil, sem vegetação que o segurasse, foram varridas pela erosão, restando quase só rocha nua. No fim das contas, o ar se tornou tão irrespirável que viver ao nível do mar equivalia a escalar uma montanha de 4.200 m, compara o paleontólogo Peter Ward, da Universidade de Washington (Seattle, EUA).

Contagem de corpos
A comparação entre as espécies presentes antes e depois do evento de extinção é de deixar qualquer um acabrunhado. Em terra, nada menos do que 95% dos fósseis correspondem ao réptil herbívoro Lystrosaurus, vagamente parecido com um porco. No mar, recifes florescentes de vida são substituídos por duas ou três espécies de marisco – e mais nada. Os trilobitas (exemplares dos quais você pode ver acima), senhores dos mares por tantos milhões de anos, também partiram para sempre depois dessa. Ecossistemas inteiros deixaram de existir “instantaneamente” (ao menos do ponto de vista geológico). O mundo só foi recuperar algo equivalente à complexidade ecológica e à diversidade de espécies que existia antes da catástrofe cerca de 30 milhões de anos depois (para alguns, até 100 milhões de anos depois).
Ufa. Eu não sei quanto a você, mas estudar toda essa gama macabra de conexões me deixa zonzo. A primeira lição a ser tirada da hecatombe tem a ver, claro, com a sensação de aparente segurança que o ambiente do nosso planetinha nos dá. Lamento dizer que se trata mesmo de mera ilusão: a Terra é extremamente favorável à vida, mas também pode ser impiedosa em seus processos geológicos de longo prazo, de forma que nenhuma espécie, por mais bem adaptada e versátil que seja, pode se considerar a salvo da aniquilação.
Fora isso, no entanto, creio que o tema mais importante nos leva de volta aos intermináveis debates sobre o aquecimento global mencionados lá em cima. O fato de a humanidade ainda não ter lançado gás carbônico suficiente na atmosfera para imitar os vulcões das traps siberianas não me parece motivo para relaxo. O que a extinção do Permiano mostra, se os modelos atuais estiverem corretos, é o perigo de iniciar ricochetes imprevisíveis na maneira como a biosfera funciona caso uma variável importante – no caso, a temperatura – for perturbada de forma significativa. O fato de não sabermos com certeza quais serão esses ricochetes não é razão para deixar de se precaver. Ou alguém aí quer arriscar?
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