terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

ADEUS, AMIGA!!!BY BRUNO MEDINA EM INSTANTE POSTERIOR NO G1.


Lembro-me de que foi num Natal, uns dois ou três anos atrás, que ganhei do meu irmão mais velho uma simpática polo listrada. O presente de certa maneira serviu como trégua, uma espécie de segunda chance, visto que, apesar de me agradarem esteticamente, camisas deste modelo foram há muito banidas do meu guarda-roupa em caráter definitivo. A decisão se deveu a minha intolerância às malhas sintéticas, em especial as que possuem poliéster em sua composição.

Pelo que pude constatar na prática, a maioria das polos fabricadas no Brasil possuem tal característica, esta que as tornam inviáveis para mim. A malha grossa impede que a pele respire de maneira apropriada, e isto submetido ao verão carioca resulta numa desagradável sensação de constante transpiração. A que ganhei do meu irmão, no entanto, é diferente, porque foi tecida utilizando apenas algodão.

A ululante descoberta culminou numa revolução em minha forma de vestir, pois, a partir de então, passei a garimpar em todo canto polos de algodão. Acompanhadas de calça ou de bermuda, elas conferem um tom apropriado a praticamente qualquer tipo de evento social no Rio de Janeiro. Sem que me atentasse, em pouco tempo as gavetas do armário transbordavam de peças semelhantes à confortável camisa branca de listrinhas vermelhas.

Talvez por ter se tornado uma das minhas peças prediletas de vestuário a referida blusa eternizou-se em pelo menos dois célebres momentos; primeiro num retrato com meu cachorro Oscar, que a meu ver já é o registro definitivo da nossa amizade, e depois nesta ótima caricatura, feita pelo Souza, que adorna a parede da cozinha aqui de casa.

Nossa relação (a minha e a da camisa) seguiu o curso previsto em casos como este: as sucessivas lavagens de certo roubaram um tanto de seu esplendor, sem que isto necessariamente impedisse que fosse usada em qualquer ocasião, mesmo a contragosto de minha mulher.

Pois bem. Em minha última passagem por Belém a listradinha do coração foi na mala, como não poderia deixar de ser. Bastou uma rápida incursão pouco antes do meio-dia ao redor da praça em frente ao hotel para que estivesse de volta ao quarto, quinze minutos depois, encharcado pela umidade amazônica. Imediatamente tratei de tirar a blusa e coloca-lá para secar na varanda, pouco antes do telefone tocar anunciando um inesperado convite.

Horas depois já estava literalmente ilhado, almoçando num restaurante cercado pelas águas plácidas do Rio Guamá. Foi lá também que por acaso encontrei o Chimbinha. Almoçar peixe com açaí em uma palafita na companhia do guitarrista do Calypso, e em plena região amazônica, foi como, guardadas as devidas proporções, comer uma pizza na Fontana di Trevi depois de ir ver o Papa.

Na volta do passeio de lancha foi impossível controlar a sensação de que, após tantas visitas, havia de fato experimentado e conhecido a capital paraense. A esta altura mal sabia que aquele fim de tarde ainda reservava outra surpresa, além do arco-íris inusitado que emoldurava o pôr-do-sol. Acontece que justo naquele dia a tradicional chuva das cinco veio caprichada, em forma de tempestade tropical.

Bastaram alguns instantes para que o cenário paradisíaco se transformasse em filme de terror. Céu cinzento, ventania, chuva que doía no corpo e ondas de causar inveja a uma pororoca das boas. Como se não tivéssemos preocupações de sobra, percebi que nosso comandante havia tomado umas a mais, porque se abaixava e gritava para si próprio “o piloto sumiu!”. Não sei exatamente como ocorreu, mas quando dei por mim estava na cabine da embarcação superlotada ao lado de uma menina que segurava um poodle branco no colo. Até hoje me pergunto de onde saiu aquele poodle…

Até eu, que sou marinheiro relativamente experimentado, senti medo. O “piloto” não conseguia encontrar a marina por conta da neblina (em Belém?!) que se apoderou do horizonte. Mesmo assim preferiu sentar a pua, porque a verdade é que a chuva só piorava. Com a lancha quicando feito bola de basquete, fiquei dividido entre me jogar no rio ou morrer com o pescoço quebrado, devido à pancada do topo da cabeça no teto da cabine. Felizmente tudo acabou bem. Assim como veio, a chuva cessou, e eu, o poodle e os demais tripulantes chegamos a salvo em terra firme.

Mas o que esta história tem a ver com a blusa pólo?
Quase nada, a não ser pelo fato de que ficou secando pendurada no guarda-corpo da varanda do quarto, lembram? Durante o trajeto percorrido de carro a observação dos estragos causados pela tempestade me levou a concluir que eram remotas as chances de minha camisa preferida estar aonde a deixei. Dito e feito. Quase podia vê-la, tremulando em seu belo e trágico espetáculo, num voo fatal do 12o andar até o chão. Apenas por descargo de consciência, telefonei para a recepção, na esperança de que algum funcionário do hotel a tivesse resgatado.

Por pura sorte, a blusa havia ficado presa na grade que cerca a área da piscina, e voltou às minhas mãos bem lavada e passada, dentro de um saco plástico. Claro que o acontecido só intensificou meu apreço por ela, afinal não é qualquer peça do guarda-roupa que luta pela própria vida com tamanha valentia. A princípio resolvi deixá-la descansar um pouco, refazendo-se do susto quem sabe, mas depois passei a achar que a melhor forma de prestar-lhe a devida reverência seria não permitir que ficasse trancada dentro do armário.

E assim foi de outubro passado até anteontem, mais precisamente quando a joguei no cesto de roupa suja do banheiro pela última vez. A blusa que me mostrou que era preciso dar crédito às polos, que viajou o mundo e sobreviveu à queda de 12 andares, feneceu como qualquer outra, num incidente que envolvia água sanitária. Suas listas borraram, pintaram tudo de vermelho, condenando-a ao lixo. Porque, do jeito que está, não servirá a ninguém.

A despeito do que possam pensar, este texto não é sobre blusas ou objetos de estimação. É sobre como somos ignorantes e impotentes em relação aos caprichos do destino. Adeus, amiga!

Este post foi publicado em Instante Posterior, Terça-feira, (10/02/2009), às 16h38.

Nenhum comentário:

Postar um comentário